A Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte (DPERN), por meio do Núcleo Especializado de Defesa da Saúde (NUDESA) e da 7ª Defensoria Criminal de Natal, ingressou com Ação Civil Pública para exigir que o Município de Natal implemente novas unidades de Serviço de Residência Terapêutica (SRT), estrutura essencial para a desinstitucionalização de pessoas com transtornos mentais que permanecem internadas, apesar de terem plena condição de alta clínica.
A ação evidencia a grave violação de direitos humanos enfrentada por dezenas de pessoas que seguem internadas em leitos psiquiátricos por falta de vagas nesses serviços, em flagrante descumprimento à Lei nº 10.216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica) e às diretrizes da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
Existem pacientes internados há meses e até anos nos hospitais Professor Severino Lopes e Dr. João Machado, mesmo após receberem alta médica. Em muitos casos, a permanência nos leitos ocorre porque os vínculos familiares foram rompidos ou porque os familiares se recusam a assumir o cuidado, restando ao poder público a obrigação de garantir um espaço adequado de moradia e cuidado.
O levantamento revela ainda que Natal possui apenas três Residências Terapêuticas, tendo sido a última aberta em 2016. Atualmente, todas lotadas e com baixa rotatividade, uma vez que novas vagas surgem, em geral, somente após o falecimento de um residente.
Para a DPE/RN, essa realidade caracteriza o fenômeno da “alta impossível”, situação em que a pessoa, apesar de clinicamente apta a viver em liberdade, permanece internada por absoluta falta de alternativa extra-hospitalar, uma violação que afronta os direitos fundamentais à liberdade, à dignidade humana e à convivência comunitária.
A ACP também destaca que o Município de Natal descumpre a Resolução nº 487/2023 do Conselho Nacional de Justiça, que estabeleceu o cronograma de fechamento das Unidades Psiquiátricas de Custódia (antigos manicômios judiciários). A falta de SRTs é, hoje, o principal impedimento para a desinstitucionalização dos últimos pacientes remanescentes da Unidade Psiquiátrica de Custódia do Estado localizada em Natal.
Conforme apurado, desde 2022 o Município inclui, em seus documentos oficiais de planejamento — como o Plano Municipal de Saúde 2022–2025 e a LDO 2025 — metas para ampliação das Residências Terapêuticas. Na prática, porém, nenhuma nova unidade foi implementada nos últimos nove anos.
A Defensoria ressalta que, além de obrigação legal, a criação de novas SRTs é medida sustentável, uma vez que os serviços podem ser habilitados e cofinanciados pelo Ministério da Saúde, reduzindo o impacto financeiro para o município.
Para a DPERN, a judicialização se tornou indispensável diante da inércia do poder público, que mantém dezenas de pessoas em ambiente hospitalar sem amparo legal, convertendo os hospitais psiquiátricos em locais de moradia permanente, uma prática abolida pela legislação brasileira há mais de duas décadas.
“Estamos diante de um quadro de violação de direitos. Pessoas que já receberam alta médica ou que tiveram medidas de segurança revogadas continuam sendo privadas da liberdade por omissão do ente pública. A Defensoria Pública atua para assegurar que o cuidado em saúde mental se dê em liberdade, com dignidade e respeito às políticas públicas vigentes.”, destacam os Defensores Públicos André Gomes e Cláudia Carvalho.
Assim, a ação coletiva requer que o Município apresente plano de ação em até 30 dias e implante novas Residências Terapêuticas no prazo de até 120 dias, apresentando cronograma de expansão da rede para assegurar a desinstitucionalização de todos os pacientes internados em leitos psiquiátricos e em situação de alta médica.